quarta-feira, 1 de julho de 2009

O incrível risco de se comer uma ervilha

Emanuelle sentia-se constantemente ameaçada. Trajava roupas sempre limpas, calçados impecáveis, máscaras de proteção, protetor solar, meias antiderrapantes. Na bolsa vinha munida!Eram neosaldinas, vick, oncillon, seringas, bandaids... Tantas coisas que fica difícil citar todas aqui, nestas poucas linhas.

Quando andando na rua jamais se dispersara. Exceto por aquele dia nublado de novembro.
Vinha caminhando trôpega aquele dia, o que não era de costume já que tal atitude poderia levá-la a um acidente. Poderia quebrar os dedos, ou os pés, ou cair e machucar o nariz ou a boca. Sem falar do IMENSO risco de óbito que aquilo traria.
Mas mesmo assim ela continuava com passos tortos e embaralhados.
Sentia uma vertigem que parecia levá-la constantemente ao inferno ou àquele lugar que ninguém sabe onde, o do “belé-léu”, sabem?Bom, este mesmo.

Quase tão confortável quanto uma girafa dentro de uma caixa 10cmx20cm e quase tão lúcida quanto um hippie dos anos 70 em um show de rock. Incrivelmente normal, como se pode notar (assim como nota-se minha ironia).

Cansada de buscar ar naquele gigante de metal, também conhecido como cidade, parou por alguns instantes em um banco de praça. Olhou ao redor. Viu tantas coisas que por um instante sentiu estar em uma mega-blaster-ultra-triplo-mortal-carpado-vertigem.
Era tanto barulho, tanta sujeira, tantos bichos. Ora, pois, aqueles bichos pareciam exatamente com aquela mulher do espelho. Aquela de toda manhã.
Esquecera-se o nome dela.

Olhando por alguns instantes pôde focalizar melhor. Estava ali, próxima àqueles tracejados brancos no meio da avenida – e se ela tivesse um Veja nas mãos naquele momento aquelas linhas se tornariam ainda mais brancas.
Viu então um dos bichos; macho. Brincava com laranjas, jogando-as pra cima como se fossem estrelas caídas do céu. Ria fazendo barulhos estranhos, o que se assemelhava em muito ao som emitido por porcos, outra raça animal. Mas tinha os lábios carnudos, o sorriso amável e os olhos de deuses. Tinha também uma gravata florida; imunda.
Bobagem, era um animal.
Olhou também pra um senhor; sujo. Uma mulher; suja. Uma criança; suja.

Seu pensamento foi interrompido. Faltava-lhe ar.

-Me dê ar?Um pouco!Por favor!Me dá ar!Me dá!Um pouco!Eu peço!Imploro! - Gritava incessantemente nossa menina do espelho – nós sabemos o seu nome, ela não.

O senhor, a criança e a mulher tentaram a ajudar, mas ela não poderia aceitar o toque de mãos tão cobertas de calos e poeiras. Poderia lhe causar uma infecção, claro.
Uma nova mega-blaster-ultra-triplo-mortal-carpado-vertigem. Dessa vez ela cai no chão, imóvel.
Então o cara das laranjas-estrelas-gravata-linhas-sujeira correu e com a boca colada na de nossa intocável lhe devolveu a vida.
Com um suspiro de demasiado vigor ela voltou e disse com a voz trêmula:
-Emanuelle!
Ela se encontrou, se estabeleceu e se descobriu ali, naquela pútrida vida.

3 comentários:

  1. os seus títulos são mega-blaster-ultra.

    não só os títulos, mineira. estou encantada!

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  2. aah, mineira, você é boa, muito boa mesmo.

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  3. Concordo com todas as Marianas.

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